Verdade: redes sociais ou ciência?

Um tema que precisa urgentemente ser retomado é a diferença básica e fundamental entre o conhecimento do cotidiano, que se caracteriza por ser pessoal, fragmentado, assistemático e acrítico, e o conhecimento científico ou filosófico, que são pautados em fatos ou informações estudadas com profundidade, por meio de métodos rigorosos e de maneira sistemática.

O conhecimento que temos de mundo costuma ser chamado de senso comum, pois parte de um senso que estabelecemos na relação com o mundo, sobre as coisas do mundo, e sobre o modo como este funciona, baseados numa relação comum entre as pessoas e as coisas que se têm contato no dia-a-dia. Trata-se de uma série de conhecimentos que nos ajudam a interagir socialmente e a orientar a nossa vida.

Este senso comum é muito útil para nossa relação social, mas ele nos oferece apenas uma visão de mundo, muitas vezes falível e inexata, pois parte de "mini-teorias" que estabelecemos de maneira assistemática e não aprofundada sobre as coisas. Por meio do senso comum, acreditamos em coisas sem precisar ler ou estudar sobre elas, apenas por ver um vídeo ou uma postagem nas redes sociais e, se nos parecer coerente, achamos que aquilo seja uma verdade.

Porém, quando falamos de conhecimento no sentido mais amplo do termo, o conhecimento do cotidiano (ou senso comum) não é suficiente, por ser muito raso para se estabelecer um conhecimento que seja realmente relevante, pois não se constitui saberes sólidos, por partir de uma ou mais opiniões pessoais, não ter criticidade e não se utilizar de um método seguro para a aquisição de conhecimento.

Hoje em dia, é cada vez mais comum ver pessoas afirmando "verdades" partindo de uma opinião pessoal, ou da opinião de outras pessoas sem embasamento algum, ou até mesmo, partindo de um vídeo que assistiu no YouTube de alguém comentando sem base alguma, ou de um 'post' que viu no Facebook ou Instagram. Esse "conhecimento" é assimilado e aceito sem nenhum critério ou questionamento, inclusive sem rigor.

Com isto, chegamos ao absurdo de ter pessoas que acreditam e defendem que a terra é plana, que as vacinas fazem mal, que há doutrinação nas escolas públicas, que existe uma ideologia de gênero que erotiza as crianças e as incentiva a ser homo e bissexuais, além de tantos outros absurdos. Essas "teorias" não passam de ideias do senso comum, não há estudos científicos ou filosóficos sobre esses temas, pois eles partem de valores pessoais e notícias falsas, as chamadas "fake news", com o intuito de defender uma ideologia partidária.

A sociedade brasileira não está dividida apenas em partidos políticos, no embate entre a esquerda e a direita, mas, principalmente, entre uma série de saberes desprovidos de estudo, baseados apenas em opiniões levianas, e os saberes de anos de estudos e pesquisas, que são embasados de maneira rigorosa, feitos por pesquisadores renomados. Trata-se de um embate entre os conhecimentos pautados em pesquisas rigorosas e as opiniões levianas e sem embasamento algum das "fake news".

Além disso, muitas pessoas estão deslegitimando o papel da ciência e dos cientistas, achando que a opinião de um cientista ou de um estudioso especialista num assunto tenha o mesmo valor do que a opinião de qualquer outra pessoa. Veja bem, um cientista é uma pessoa que estudou profundamente um assunto, sobre diversos ângulos, sua verdade pode não ser a única, mas tem um valor muito maior do que uma pessoa que apenas leu uma matéria nas redes sociais.

Talvez por isso que nossa sociedade esteja defendendo cada vez mais ideias por demais absurdas. Porém, essa forma de conhecimento não é a única, há diversas formas de conhecimento e de entendimento de mundo, o senso comum é a primária de todas. Temos também o conhecimento teológico, o conhecimento artístico, o conhecimento científico e o conhecimento filosófico.

No senso comum a pessoa está imersa na realidade, e a entende partindo de sua ótica pessoal e valorativa, imersa em suas crenças e opiniões sobre o mundo. Para estabelecermos saberes científicos, precisamos nos aproximar da realidade para observar ela, mas também precisamos nos distanciar dela para compreendê-la melhor. É preciso que a realidade se torne um objeto de estudo, para que se possa estabelecer um saber científico.

O conhecimento científico parte de fatos não somente observados por uma pessoa, mas por uma série de pessoas especializadas e dedicadas a um tema que se colocam a estudar. Algumas delas de distintas áreas do saber, utilizando-se inclusive de instrumentos de observação e medição, pois entende que há uma diferença entre a observação dos fatos e a interpretação pessoal dos fatos, e por conta disso busca observa-los de maneira menos subjetiva e mais rigorosa.

Além disso, o saber científico possui métodos bem definidos para a aquisição mais segura e confiável do conhecimento, não sendo assistemática como o conhecimento do senso comum, mas se utilizando de procedimentos para observar os fatos, para estabelecer hipóteses, para testar as hipóteses, para avaliar elas, e por fim alcançar uma conclusão, que pode inclusive ser refutada por outro cientista, não por opiniões sem embasamento.

O conhecimento do senso comum, parte de experiências pessoais, de opiniões pessoais, não possui método nem questionamento. Além disso, por ser carregado de valores e crenças, acaba sendo difícil a refutação, pois ao ser refutada, a pessoa imersa no senso comum se sente afrontada, por estar apegada a seu entendimento, diferente do cientista que, sabendo da possibilidade de se refutar, se abre a outros e diferentes argumentos e perspectivas.

Além do conhecimento científico, temos também o conhecimento filosófico, que pode ou não partir de fatos, pode inclusive pode ser feito por análise de discursos e reflexões racionais. Trata-se de um conhecimento também sistemático, que tem como foco questionar e problematizar os saberes e ideias de verdade. Por meio da filosofia é possível questionar tanto saberes do senso comum quanto do conhecimento científico.

Por conta disso tudo, acredito ser imprescindível neste momento que tenhamos maior rigor em nossas opiniões, e que, ao invés de defender ideias por meio de notícias, que possamos estudar mais a fundo elas, partir de conhecimentos e saberes mais sólidos e relevantes, para assim estabelecermos nossas opiniões, mas também nos colocando abertos à dúvida e ao questionamento, pois ninguém é dono da verdade, ela é resultante de uma construção coletiva e cuidadosa.

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