A palavra filosofia vem do grego e significa "amizade pela sabedoria". O filósofo não é aquele que possui um saber, mas que busca saber, inclusive saber que não sabe. Mas, o que significa isso? Para que serve a filosofia? Qual a relação da filosofia com a vida?
Não se trata de encontrar respostas, fórmulas ou teorias. A filosofia não pretende oferecer verdades acabadas sobre o mundo. Filosofar é, antes de tudo, duvidar, questionar, desconfiar daquilo que parece óbvio ou que nos foi ensinado como certo e verdadeiro.
"Foi por conta do espanto e do assombro que os homens começaram a filosofar e, pelo mesmo motivo, filosofam até hoje."(Aristóteles, em 'Metafísica')
Trata-se um tipo de curiosidade, espanto e admiração, um olhar atento e intrigado para com o mundo, que nos lança um convite para pensar além do convencional, com questões como: Por fazemos o que fazemos? O que nos leva a pensar de uma maneira e não de outra? Por que aceitamos certas regras, costumes ou crenças? Existe só uma maneira de viver e de pensar?
Filosofar é, portanto, uma prática de reflexão sobre a própria vida, o mundo e nossos pensamentos. Segundo Karl Jaspers, as perguntas na filosofia são mais importantes que as respostas, e cada resposta abre caminho para novas perguntas. É essa disposição de dúvida e questionamento que nos liberta de preconceitos e das certezas prontas.
Quem acredita que tudo está muito claro e óbvio, que tudo é de fácil entendimento, deixa de lado toda a possibilidade de questionamento e aprofundamento, aceitando opiniões simplistas e prontas. A dúvida filosófica surge justamente da inquietação, da não aceitação de respostas simples para o mundo e as coisas.
"Aquele para quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem tudo resulta muito óbvio, nunca poderá ser filósofo."(García Morente, em 'Fundamentos de Filosofia')
Filosofar não é apenas um exercício mental, mas uma disposição diante da vida, de não aceitar as coisas simplesmente porque "são assim", é um ato de resistência contra o pensamento dado, os discursos prontos e a alienação. Além disso, a filosofia é também criação, pois possibilita pensar outros modos de viver, de perceber, de pensar e de se colocar no mundo.
Os questionamentos e as reflexões filosóficas não se limitam às universidades e instituições, mas emergem sempre que questionamos o que nos aparece, quando refletimos sobre o que nos dizem e o que pensamos, quando olhamos criticamente a sociedade e a nós mesmos.
Não é nada fácil ser filósofo, pois implica numa condição de incerteza e questionamento permanente sobre diversos aspectos da vida. Essa postura diante do mundo faz com que nunca nos sentimos integralmente satisfeitos com nossas constatações e considerações, mantendo uma constante revisão e problematização da vida.
Filosofar é exercitar o espanto, a dúvida e o questionamento. É não aceitar o mundo como algo pronto e acabado. É questionar o que parece óbvio, refletir sobre os pensamentos, os valores, as verdades e os discursos que nos atravessam todos os dias. A filosofia não oferece respostas acabadas, mas abre espaços de pensamento, de liberdade e de criação.
"Quando alguém pergunta para que serve a filosofia, a resposta deve ser agressiva, visto que a pergunta pretende-se irônica e mordaz. A filosofia não serve nem ao Estado, nem à Igreja, que têm outras preocupações. Não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia que não entristece a ninguém e não contraria ninguém, não é uma filosofia. A filosofia serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas. (...) Fazer, enfim, do pensamento algo agressivo, ativo, afirmativo. Fazer homens livres."
(Gilles Deleuze, em 'Nietzsche e a filosofia')
René Descartes, por exemplo, usou a dúvida como ferramenta de investigação, questionando tudo o que acreditava saber para encontrar o que realmente poderia ser considerado verdadeiro. Seguindo um pouco mais além, Friedrich Nietzsche constatou que não existem verdades absolutas, mas diferentes possibilidades de interpretar e valorar a vida.
Os elementos fundamentais a filosofia são o questionamento e a reflexão. Para haver o questionamento, é preciso deixar de lado nossas concepções prontas sobre as coisas, para duvidar de nossas próprias crenças. Se penso que uma coisa é boa, ao filosofar questiono: "o que é ser bom?", "bom para quem?", "quais outras características dessa coisa?", e assim por diante.
A disposição filosófica consiste num posicionamento crítico, reflexivo e questionador diante da realidade. Se difere de uma aceitação passiva dos fatos e dos discursos, pois reconhece que novos entendimentos não são verdades, mas modos possíveis de perceber o mundo.
"Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; Se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; Se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; Se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; Se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes."
(Marilena Chaui, em 'Convite à Filosofia')
Vivemos numa sociedade e numa época que valoriza o imediato, a técnica e os resultados rápidos. Nesse contexto, a filosofia pode parecer inútil — afinal, ela não produz objetos, nem oferece soluções prontas. Mas talvez, justamente por isso, ela se torna tão necessária.
Se alguém perguntar "para que serve a filosofia?", talvez a melhor resposta seja: para aprender a pensar por si mesmo, para viver de forma mais consciente e menos automática, para ampliar o olhar sobre a vida e o mundo. Ela não dá respostas prontas, mas ajuda a fazer as perguntas que realmente importam.
Num mundo marcado por discursos prontos e certezas imediatas, cultivar a atitude filosófica é um ato de resistência e também de criação. Criação de espaços de pausa e reflexão, de pontes entre modos de pensar, de caminhos para novas compreensões.
Enfim, filosofar não é uma técnica de conhecimento, mas um modo de ser e se dispor perante a vida - curioso, atento e aberto. É, sobretudo, um compromisso com a possibilidade de pensar diferente do que se pensa, de se abrir a outras perspectivas possíveis.
Referências:
ARISTÓTELES. Metafísica. Trad.: Edson Bini. 2. ed. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.
DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Trad.: de Edmundo Fernandes Dias. São Paulo: Editora 34, 2006.
GARCÍA MORENTE, Manuel. Fundamentos de Filosofia: lições preliminares. Trad.: Guilhermo de la Cruz Coronado. São Paulo: Mestre Jou, 1980.