Para Gilles Deleuze, a filosofia não deve buscar verdades universais, mas criar conceitos singulares para pensar e lidar com realidades singulares. Os conceitos não representam o mundo nem são verdades eternas, mas ferramentas. Um conceito não vale para tudo, mas serve para pensar movimentos, configurações e situações específicas.
A filosofia da diferença não busca encontrar essências, mas afirmar a multiplicidade, a heterogeneidade e tudo aquilo que escapa as classificações. Esse modo de filosofar se opõe às tradições que buscam verdades ou fundamentos, entendendo que pensar é inventar, criar o que ainda não existe, que está em processo, que está se fazendo.
“A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos.”
(Deleuze, em 'O que é filosofia?')
Assim, a filosofia deixa de ser a busca pelo universal e se torna uma prática de experimentação, tão criativa e inventiva quanto a arte, abrindo caminhos para pensar o que ainda não foi pensado. Sua preocupação não está em reconciliar contrários, nem buscar uma essência por trás dos fenômenos, mas afirmar a multiplicidade, o devir, o transitório e a potência do que é distinto.
Nessa perspectiva, o pensamento se volta para aquilo que ainda não existe, sem a pretensão de responder perguntas, mas abrir caminhos. Ao invés de interpretar ou representar o mundo, cria novos mundos. A filosofia se torna uma prática de experimentação, invenção de novos modos de pensar e viver. Filosofar é sempre um gesto de criação, que abre caminhos, traça linhas e constrói ferramentas para pensar.
"Os conceitos não nos esperam inteiramente feitos, como corpos celestes. Não há céu para os conceitos. Eles devem ser inventados, fabricados ou antes criados, e não seriam nada sem a assinatura daqueles que os criam."
(Deleuze, em 'O que é filosofia?')
Os conceitos são ferramentas, e as ferramentas podem servir para algumas situações singulares e não servir para outras. Fazemos o uso delas, quando necessário. Conceitos são sempre regionais e históricos, precisam ser alterados, transformados e reconfigurados. Se um conceito não conecta mais com a realidade, ela não serve mais, precisa ser revisto, ajustado, ou até mesmo abandonado.
Assim como uma ferramenta pode envelhecer, desgastar, perder sua eficácia, o mesmo acontece com conceitos. Eles não são verdades eternas, mas criações que emergem de contextos históricos, culturais e sociais específicos.
Cada pessoa constrói a sua própria caixa de ferramentas conceituais. É algo que se faz e se refaz na prática, no encontro com os outros, no enfrentamento dos desafios singulares de cada situação. Não existe manual. O método se constrói no próprio caminhar.
Criar é juntar, transformar, recombinar. Não se trata de fidelidade a uma escola de pensamento, mas da potência de articular diferentes perspectivas para lidar com distintos problemas concretos. Um conceito não vive no papel, mas quando opera, quando funciona, quando se torna ferramenta.
Deleuze rejeita as filosofias que se apoiam na dialética ou na fenomenologia, que dependem de categorias como oposição, contradição ou consciência intencional. Seu pensamento não busca reconciliar contrários nem encontrar essências ocultas.
Sua concepção de tempo reflete essa visão, o tempo não é uma linha reta, uma sequência de momentos sucessivos, mas duração, um fluxo que se atualiza constantemente de maneiras singulares, sem jamais se esgotar.
Referência:
DELEUZE, Gilles. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.