Como isso funciona?

Algo que aprendi com Deleuze, com a esquizoanálise, ou sabe-se lá com quem ou quando, é justamente que isso não importa tanto... Que muitas vezes é mais interessante a questão "como isso funciona?" do que a vã tentativa racional de buscar "o que é isso?" ou "o que isso significa?".

Quando somos atravessados por uma situação que não sabemos o que fazer ou uma dificuldade que nos deixa paralisados, geralmente pensamos que se soubéssemos o que é isso, logo poderíamos saber como resolver, como se dependêssemos de um conhecimento total e racional sobre o que é, para ser possível agir sobre isso.

Essa perspectiva vem de uma tendência racionalista, que entende que tudo pode ser explicado e resolvido por meio da razão, mas nem sempre isso resolve. Por vezes, a questão "-como isso funciona?" é mais potente e criativa do que "-o que é isso?"...

Deleuze e Guattari contrariavam o destaque dado ao significante ou a "verdade", que isso impedia um fluxo livre de produção de si.

"(...) o que nos interessa é como alguma coisa anda, funciona (...). Ora, o significante ainda pertence ao domínio da questão "o que isso quer dizer?" (...). Mas para nós o inconsciente não quer dizer nada, a linguagem tampouco. (...) A única questão é como isso funciona, com intensidades, fluxos, processos.”
(Gilles Deleuze, em 'Conversações')

Não se trata de interpretar, buscar sua "verdade", "origem" ou "razão", mas compreender o modo como funciona e acontece - como uma pessoa se relaciona consigo mesma, com os outros, com os objetos, com seus desejos, temores, dores, alegrias, etc.

Como acontece? Como se configura? Com o que se conecta (pessoas, coisas, lugares e afetos)? O que intensifica? O que diminui? O que amplia? O que bloqueia? O que transforma? O que faz romper? O que pode ser feito para subverter e experimentar novas configurações? Trata-se de perceber como as coisas funcionam e intervir em seu funcionamento, alterando sua configuração.

Neste sentido, não há resposta pronta, pois se trata de experimentação, não há uma razão prévia que determine o que pode ser feito, é preciso fazer, ver como acontece no processo...

"Basta me conhecer através do que eu faço. Porque na realidade eu não sei o que eu sou. Porque se é invenção eu não posso saber. Se eu já soubesse o que seriam estas coisas elas já não seriam mais invenção."
(Hélio Oiticica)

Deleuze entende o acontecimento como algo que escapa à lógica da identidade e da causalidade linear. Para ele, os acontecimentos não são simplesmente eventos ou ocorrências, mas são momentos de intensidade, ruptura e diferenciação que desafiam as categorias tradicionais de pensamento.

Os acontecimentos são marcados pela imprevisibilidade e pela capacidade de gerar novas possibilidades e configurações no mundo. São eventos singulares que têm o potencial de afetar e transformar as estruturas estabelecidas de poder, conhecimento e subjetividade, entendidos sempre em processo, emergindo de relações complexas e imprevisíveis entre diferentes forças e elementos.

Quando perguntamos como algo funciona, estamos nos permitindo a imergir em seu acontecimento em processo, reconhecendo seus momentos de intensidade e diferenciação, contrários às concepções tradicionais de causalidade e identidade, possibilitando assim uma transformação das estruturas estabelecidas de pensamento e de existência.

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