Uma dos maiores deficiências da psicologia moderna institucionalizada, no meu ver, é sua tendência em utilizar procedimentos de interpretação, hipótese e categorização, que insistem em buscar um entendimento e uma explicação sobre as experiências afetivas e íntimas de uma pessoa, remetendo sempre a uma teoria previamente estabelecida, constatada e delimitada.
Entendo que essa psicologia não olha para o outro enquanto outro, não consegue encarar o diferente, mas tende apenas a ajustar as múltiplas experiências de uma pessoa em seus encadeamentos lógicos, seja relacionando com algo já estudado e evidenciado, por associação a uma teoria estabelecida ou por interpretação, onde a experiência do outro é fragmentada e reduzida a uma interpretação totalizada pelo observador.
Os psicólogos e psicólogas institucionalizados buscam encontrar e determinar verdades sobre a experiência das pessoas, sem sequer tomar contato com tais experiências. Para encontrar outra pessoa precisamos abrir os olhos e os ouvidos para o novo, o diferente, o estranho, não ver por antecipação, nem supor saber algo sobre aquilo que se vê, mas apenas olhar, acolher o novo como este se apresenta em sua diferença e multiplicidade.
Para isso, precisamos largar mão do desejo de encontrar uma verdade sobre o outro, de enquadrar, definir, delimitar, explicar, e principalmente interpretar. Não há nada a ser interpretado na experiência de outra pessoa, podemos apenas nos aproximar e tomar contato com esta, estabelecendo fluxos de conexões.
A existência não é algo para ser examinado e explicado, mas algo a ser percebido e dialogado. Não precisamos organizar a experiência do outro, pois a ordem impõe um modo de ser, um caminho definido. Acredito que o interessante é acompanhar suas experiências e experimentar modos de ser, sem um caminho ou modelo definido, deixando que as coisas aconteçam.
O que interessa é a diferença e não a norma, a possibilidade e não a constância, a experiência e não a explicação. Assim podemos pensar uma psicologia crítica, que rompe com o projeto de análise e controle da experiência humana, conduzindo a modos formatados e previamente definidos, nos lançando para a possibilidade, a pensar o que pode uma existência, visando experienciar outros modos de vida.
"(...) enfim o horizonte nos aparece novamente livre, embora não esteja limpo, enfim os nossos barcos podem novamente zarpar ao encontro de todo perigo, novamente é permitida toda a ousadia de quem busca o conhecimento, o mar, o nosso mar, está novamente aberto, e provavelmente nunca houve tanto 'mar aberto'."
(Nietzsche, em 'A Gaia Ciência', aforismo 343)