A problemática do diagnóstico psi

Cena do filme 'Um estranho no ninho', 1975

A psicologia e psiquiatria tradicional, com sua ênfase na categorização e nomeação dos transtornos mentais, podem estar desconsiderando as diferentes nuances do sofrimento emocional e a singularidade das experiências de cada pessoa em sua prática diagnóstica. O diagnóstico psiquiátrico muitas vezes reduz a complexidade do sofrimento emocional em categorias abstratas e universalizantes, que pouco dialogam com as experiências, com a história de vida, o contexto e as relações de uma pessoa.

Com o diagnóstico de um transtorno, a pessoa diagnosticada passa a atribuir as causas de seu sofrimento emocional ao termo diagnosticado, como se seu sofrimento fosse uma consequência da categoria diagnosticada e não a complexidade de suas vivências e experiências da vida. Assim, o diagnóstico oculta as reais causas do sofrimento, tais como reações as familiares e sociais difíceis, condições precárias de trabalho (ou ausência deste), dificuldades pessoais, entre tantas outras.

O diagnóstico psiquiátrico inverte o entendimento do sofrimento emocional. Ao invés de compreender o sofrimento como resultante de condições de vida difíceis e complexas, ele descreve o sofrimento enquanto causado pelo transtorno diagnosticado e seus sintomas, e não por suas origens, como se o transtorno fosse uma entidade autônoma que se insere numa pessoa. Esse entendimento transforma a percepção da pessoa sobre si mesma e sobre seu sofrimento experienciado.

A pessoa passa então a pensar "estou triste porque tenho depressão", ou, "estou agitada, pois tenho ansiedade", e não "estou triste, pois passei por situações difíceis", ou "estou agitada, pois meu trabalho está muito exigente". Assim, as reais causas do sofrimento emocional são minimizadas ou descartadas, dando lugar ao transtorno diagnosticado. Com isso, a maioria dos profissionais passam a se ocupar do transtorno diagnosticado, e não da pessoa que vivencia um sofrimento.

Com um diagnóstico de transtono emitido por um profissional da área da saúde, em sua posição de "detentor do saber", faz com que muitas pessoas aceitem o dagnóstico como uma verdade sobre si, passando a se identificar com o transtorno diagnosticado. Muitas pessoas passam a se perceber como "depressivas", "autistas" ou "fóbicas", deixando assim de tomar contato com a complexidade de seu sofrimento e suas causas contextuais e históricas.

O modo como o diagnóstico de transtornos mentais e emocionais é estruturado em nosso tempo se apoia uma concepção naturalista e positivista do sofrimento emocional, como se este pudesse ser avaliado e descrito de maneira objetiva e quantitativa, enquanto sua experiência é, na realidade, vivencial e subjetiva. Toda essa dinâmica mantém um comércio da doença, que envolve psiquiatras, psicólogos e medicamentos.

Portanto, o diagnóstico possui uma série de problemáticas que estão além de seu intuito clínico, e a tendência de atribuir um nome ao sofrimento emocional nem sempre reflete a complexidade da experiência vivencial de um indivíduo e de sua dor. Esta prática geralmente transforma o diagnóstico num mecanismo de controle, perpetuando estigmas, alienando a pessoa de si mesma e da sociedade.

O diagnóstico em psicologia e psiquiatria não corresponde a uma realidade objetiva, mas a uma convenção teórica, que categoriza a experiência humana de sofrimento em termos padronizados e universalizantes. Longe de captar a complexidade da vida emocional e existencial de cada pessoa, o diagnóstico apresenta uma nova identidade a pessoa, tentando organizar o que escapa à lógica e à uniformidade.

A prática diagnóstica atribui uma "identidade" ao sofrimento, que passa a ser percebido como uma entidade autônoma e independente da pessoa que o vivencia. Essa prática descontextualiza o sofrimento de suas condições de aparecimento - as dimensões contextuais, familiares, sociais, econômicas, culturais e políticas, tornando este um problema individual a ser tratado.

A redução do sofrimento a um rótulo, escamoteia as condições concretas que produzem e sustentam as dores psíquicas. Questões como um trabalho explorador, condições precárias de vida, desigualdade social, violências estruturais e precarização das relações humanas não são consideradas no diagnóstico. Em vez de atuar sobre as raízes do sofrimento, a prática diagnóstica apresenta soluções paliativas, que não atuam sobre suas causas, mas sobre os sintomas.

A particularidade de um sofrimento pessoal e contextual, é substituída por uma abstração categórica e generalizante, deixando de lado a singularidade daquele que sofre. Para muitos, ser diagnosticado é receber uma nova identidade, o que distancia a possibilidade de compor outros modos de existência e resistir aos desafios de sua condição. O diagnóstico transforma-se, assim, num aprisionamento simbólico, que impede a construção de caminhos mais livres e criativos para lidar com o sofrimento.

Sua tendência a objetificar a experiência da pessoa, como se pudesse ser reduzida a uma condição fixa, negligencia que o sofrimento psíquico é um processo complexo e mutável, resultante de relações sociais e ambientes onde o sujeito está inserido. Muitos profissionais deixam de exercitar uma sensibilidade que poderia se aproximar de seu paciente, reforçando a hierarquia, impondo seu saber psi de forma unilateral, deixando ao paciente o papel de receptor passivo de uma verdade que lhe é alheia.

Além disso, o impacto do diagnóstico vai além do consultório, reverberando nas relações familiares e sociais, fazendo com que a pessoa passe a ser percebida como "esquizofrênica", "depressiva" ou "autista" em seu ciclo social. Pais e familiares, muitas vezes, escondem ou rejeitam a pessoa diagnosticada por vergonha, medo da incompreensão ou sentimento de incapacidade, enquanto o próprio indivíduo internaliza a exclusão e o rótulo a si atribuído.

Tanto a antipsiquiatria quanto a psicologia crítica colocam em questão os diagnósticos psiquiátricos, sua crítica propõe uma mudança no modo como concebemos e lidamos com o sofrimento emocional, abandonando a lógica da patologização para uma abordagem que privilegia uma escuta sensível e respeitosa. Em vez de tentar enquadrar a pessoa em categorias pré-determinadas, é preciso reconhecer a complexidade de suas experiências, considerando suas peculiaridades.

Neste sentido, propõem que a pessoa seja escutada, permitindo que sua experiência revele novos sentidos e perspectivas. Criticar o diagnóstico é também criticar as estruturas que o sustentam: o modelo médico-hegemônico, as instituições alienantes e os preconceitos que desumanizam aqueles que vivem à margem da norma. É necessário um movimento que valorize a singularidade de cada sujeito, que os escute sem coagir, e que os compreenda sem rotular.

Essa perspectiva crítica não sugere uma negação do sofrimento ou de sua gravidade, mas defende um cuidado mais compreensivo, entendendo saúde emocional como um processo contextual, inseparável das condições de vida e das relações sociais e culturais. Mais do que tratar sintomas, é preciso ampliar espaços que acolham os diferentes modos de vida, promovendo o diálogo e incentivando a construção de novos sentidos e possibilidades de existir.

A classificação diagnóstica pode ser útil para determinados fins práticos, como a comunicação entre profissionais ou a organização de tratamentos, mas ela jamais deve substituir o reconhecimento da experiência subjetiva e única de cada indivíduo. Quando o diagnóstico é tomado como uma verdade, em vez de uma convenção, ele desvia o foco do essencial: o sofrimento emocional tal como é experienciado pela pessoa.

A dor psíquica não é uma categoria universal, mas uma experiência profundamente singular. Ela não se encaixa facilmente em quadros clínicos pré-determinados, por ser constituída pelas histórias de vida, pelas relações, pelos contextos socioculturais e pelas condições existenciais de cada indivíduo. Cada pessoa vivencia seu sofrimento de maneira única, e é essa vivência que deve ocupar o centro do trabalho terapêutico, não os critérios formais que tentam classificá-la.

Ao rotular alguém, pode-se cristalizar um estado transitório ou dinâmico como uma identidade fixa, negando a possibilidade de transformação do sofrimento. O mais importante, portanto, não é o diagnóstico, mas a escuta cuidadosa e aberta à experiência de quem sofre. O encontro com a singularidade do outro exige uma postura de acolhimento e compreensão, que valorize a dimensão existencial de sua dor, buscando fazer algo novo e distinto dela.


Referências:
ARRUDA, Elso. Antidiagnóstico e Antipsiquiatria. Comunicação ao X Congresso Nacional de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental - Recife, 1971. Arq. bras. Psic. apl., Rio de Janeiro, 24(4):55-68, out/dez. 1972.
COOPER, David. Psiquiatria e Antipsiquiatria. São Paulo: Editora Perspectiva, 1982.
HEATHER, Nick. Perspectivas Radicais em Psicologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.
SERRANO, Alan Indio. O que é Psiquiatria Alternativa. São Paulo: Brasiliense, 1992.

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