A filosofia anarquista é uma vertente de pensamento que propõe romper hierarquias e formas de autoridade coercitivas, sejam materiais ou ideológicas, de modo a possibilitar relações mais libertárias consigo mesmo e com os outros, para uma sociedade mais livre e respeitosa. Esta filosofia se manifesta em diversas vertentes, com alguns princípios centrais comuns.
De modo geral, os anarquistas defendem a liberdade individual enquanto um valor fundamental, sendo esta a liberdade de viver sem estar submetido a normas ou estruturas autoritárias, se libertando de amarras sociais e psicológicas, para que cada pessoa possa deliberar sobre si mesma e sua vida, respeitando e considerando também as outras pessoas.
Podemos pensar o anarquismo como uma filosofia da liberdade, que recusa todas as formas de poder coercitivo. O pensamento anarquista questiona e problematiza as estruturas de poder, de dominação e moralidade impositivas, propondo alternativas baseadas na autonomia, no respeito e na horizontalidade das relações sociais. Trata-se de um movimento de pensamento crítico e criativo, para a experimentação de outras formas de vida.
Na Grécia Antiga, o filósofo Diógenes de Sínope rejeitava as convenções sociais e defendia uma vida autêntica, rompendo com os valores impostos. O pensador inglês William Godwin (1756-1836), antecipou muitas das ideias anarquistas propondo uma sociedade sem governo, baseada na racionalidade e na educação. O anarquismo compartilha com o existencialismo a defesa da responsabilidade individual e a rejeição das essências fixas sobre a existência humana.
O anarquismo filosófico tem um forte viés crítico, especialmente com relação às ideologias, à moral e às hierarquias sociais. Com Michel Foucault, o anarquismo questiona não apenas o poder centralizado, mas as microformas de poder e controle presentes na vida cotidiana. Seguindo as perspectivas de Friedrich Nietzsche e Max Stirner, o anarquismo questiona a moralidade e os valores herdados, propondo a criação de valores próprios com base nas experiências de cada um.
Pensando com a filosofia da diferença, especialmente com Gilles Deleuze e Félix Guattari, a perspectiva anarquista rejeita a disposição piramidal de conhecimento e de poder, se aproximando da noção de rizoma, com suas redes interconectadas, habilitando assim outras maneiras de viver, conhecer, pensar e se relacionar. Inclusive, o anarquismo pode ser entendido como uma prática de libertação dos mecanismos de captura da subjetividade.
Enquanto uma filosofia de vida, o anarquismo não propõe um modelo fechado e pronto sobre como viver, mas um espaço libertário de experimentação e reinvenção de si, para a criação de novos modos de vida, compreendendo a existência como fluxo, devir e criação de novas possibilidades de subjetivação, se opondo às categorias identitárias, num pensamento e prática abertos ao devir e à multiplicidade.
O anarquismo não consiste apenas numa atividade de pensamento, mas é sobretudo uma prática, um modo de se colocar no mundo, uma atuação cotidiana que desafia hierarquias, afirmando a autonomia e promovendo relações libertárias. Isso consiste em questionar padrões de obediência passiva, problematizando e desafiando as estruturas de poder em diversos âmbitos (trabalho, família, educação, etc.).
Uma das características fundamentais do anarquismo é a recusa à autoridade e ao poder coercitivo. A autogestão e a autonomia são essenciais na filosofia anarquista, sugerindo a capacidade das pessoas em gerir suas próprias vidas e participar diretamente de tomada de decisões coletivas. Na prática, podemos repensar o modo como usamos o tempo, nos relacionamos com nosso corpo e ocupamos os espaços, explorando formas alternativas de se relacionar e modos de vida libertários.
Propondo uma descentralização do poder, a perspectiva anarquista opta por diferentes modelos organizacionais locais e horizontais, possibilitando que as decisões sejam tomadas de forma direta pelas comunidades e grupos, sem intermediários ou representantes. Sua principal ideia é garantir que o poder não seja concentrado num único sujeito ou lugar, reduzindo assim o risco de abuso de poder.
Há uma dimensão revolucionária no anarquismo, entendendo que as mudanças profundas na sociedade só podem ser alcançadas por meio da transformação radical das estruturas existentes. Neste sentido, não se busca a substituição de uma autoridade por outra, mas a destruição das formas de dominação e a criação de novas formas de organização social libertárias e inclusivas.
Os anarquistas geralmente se colocam em favor de uma sociedade pluralista, valorizando a diversidade cultural, social e individual. A liberdade e a igualdade não devem ser confundidas com homogeneização, mas como a possibilidade de se relacionar com as diferenças num espaço de respeito e consideração mútua e sem repressão.
Vivemos num tempo marcado por desigualdades diversas, violência de gênero e de raça, autoritarismo e exploração, num controle social que se intensifica com tecnologias e discursos de ordem. Refletir sobre o anarquismo hoje é fundamental para repensarmos os modos como nos relacionamos e convivemos, buscando priorizar relações libertárias, o respeito e a consideração mútua.
O anarquismo não se trata de caos ou desordem, mas uma proposta de relações mais libertárias, autogestão e cooperação, sem a necessidade de hierarquias e ordenações morais centralizadas. Seu princípio fundamental é a liberdade, não a liberdade de consumir e ser consumido do neoliberalismo, mas uma liberdade de regras, moralidades e convenções, que se constrói em relação.
Anarquia é, portanto, uma prática cotidiana, que valoriza a diversidade, criando espaços de trocas e decisões coletivas, contrariando as formas de controle, problematizando e questionando as estruturas que nos cercam, para que outros modos de vida e relações sejam possíveis. A anarquia é uma possibilidade de resistência e transformação, para pensar outras formas de vida e organização possíveis, onde a solidariedade pode substituir a competitividade e a liberdade prevalecer sobre a obediência.