Por que estamos tão cansados?

Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano radicado na Alemanha, entende que vivemos na "sociedade do cansaço", pois, segundo ele, o modo como o poder e a produtividade operam nas sociedades contemporânea leva os indivíduos a uma autoexploração exaustiva, que gera transtornos psíquicos como depressão, burnout e ansiedade.

Entre o século XIX e meados do século XX, segundo Foucault, vivíamos numa "sociedade disciplinar", marcado por instituições que regulam limites: fábricas, escolas, prisões e hospitais. Hoje, de acordo com Han, vivemos numa "sociedade do desempenho", onde o sujeito é obrigado a ser produtivo, criativo, multitarefa, motivado e empreendedor de si mesmo. Não há mais um "outro" que oprime — cada pessoa oprime a si mesma em nome da produtividade.

O sujeito contemporâneo acredita ser “livre” para fazer o que quiser, mas vive se cobrando cada vez mais, extasiado pela ideia de produtividade e pelo ideal de alcançar metas. Essa concepção de liberdade se transformou numa armadilha: somos exploradores e explorados ao mesmo tempo. O resultado é um cansaço extremo e uma exaustão física e mental gerados pelo desempenho a todo custo, sem perceber a opressão.

Vivemos num mundo de positividade tóxica - onde "tudo é possível" e tudo "deve ser superado". Termos como “projetos”, “potencial”, “otimismo”, "autoregulação", "persistência" e “motivação” estão em alta, mas mascaram a pressão constante por uma produtividade e pela exploração de si sem limites. O "excesso de positividade" faz com que o sujeito não possa parar, descansar ou fracassar. Qualquer uma dessas possibilidades é percebida como inadequada e inaceitável.

As doenças do período anterior eram sobretudo infecciosas, como tuberculose, malária, febre amarela e varíola. Na era atual do desempenho, vivemos uma epidemia de transtornos neuropsíquicos: depressão, síndrome de burnout, transtorno de déficit de atenção e ansiedade. Esses transtornos emergem sobretudo de um colapso interno diante das exigências internalizadas. A pressão para sermos sempre produtivos, felizes e bem-sucedidos nos adoece silenciosamente.

“A violência da positividade é mais devastadora que a violência da negatividade.”
(Byung-Chul Han)

Antes vivíamos em conflitos por conta dos limites, proibições e repressão (“não pode”, “não deve”), agora vivemos um excesso de permissões numa constante exigência de desempenho (“você pode tudo”, “basta querer”). A positividade é uma nova forma de opressão. O sujeito atual é empreendedor de si mesmo, se autoexplora achando que é sendo livre. Trocou o "eu devo" pelo "eu posso", gerando uma sobrecarga interna contínua.

Não precisamos mais de opressores externos, como o olhar do patrão ou o relógio de ponto. O próprio indivíduo se cobra, se vigia e se pune. Essa forma de dominação é muito mais potente e mais eficaz, pois se emparelha com a ideia de liberdade. O sujeito se supõe livre por não ter um patrão cobrando, mas vive na autoexploração de suas próprias cobranças como forma de dominação.

As doenças e sofrimentos emocionais que antes eram causadas por questões externas (vírus, repressão), hoje são gerados por excesso de exigência interna (burnout, depressão, TDAH). O sujeito hoje vive em colapso consigo mesmo, por tentar ser sempre “mais”. Vivemos numa ditadura da performance e da produtividade, caracterizada pela disponibilidade total.

Neste contexto, o “obrigação de ser feliz” se tornou a palavra de ordem, enquanto que o descanso e a contemplação são vistos como preguiça ou fracasso. O home office, o trabalho remoto e hiperconexão acabaram com as fronteiras entre a vida pessoal e profissional. Espera-se resposta a qualquer hora, em qualquer lugar. As pessoas sentem culpa por uma parada ou por descansar.

As redes sociais se tornaram uma vitrine da positividade, numa pressão constante para mostrar uma vida performática, falar sobre si e opinar sobre tudo. Os likes, os seguidores e o engajamento se tornaram formas de validação. Entre as consequências emocionais e existenciais pode-se mencionar: comparação constante, ausência de sentido, cansaço psíquico crônico, vazio existencial, ansiedade. Nos falta uma parada, siêncio, contemplação, descanso, lentidão, a arte e presença real.

"A dificuldade hoje não é mais que não podemos expressar livremente nossas opiniões, mas criar livres espaços de solidão e silêncio em que encontremos algo a dizer. As forças repressivas não nos impedem de expressar nossa opinião. Ao contrário, elas até nos obrigam a isso. Que libertação é ao menos uma vez não ter que dizer nada e poder ficar em silêncio, porque só então temos a possibilidade de criar algo cada vez mais raro: algo que realmente valha a pena ser dito."
(Gilles Deleuze)

contato

Para mais informações, envie uma mensagem..