A partir do século XIX, a loucura se torna uma questão médica, entendida como "doença mental", passando a ser analisada e tratada. No final do século XIX surge a psicologia, um conhecimento sobre a interioridade psicológica do ser humano.
Aparece então o "especialista" em analisar e tratar a loucura, tema de discussão entre os autorizados pelo saber científico (especialistas) e excluído dos demais (não-especialistas). Entre os especialistas estão o médico e os "psi". Aquele que analisa o louco supõe ser “não-louco”.
O especialista é autorizado a proferir um discurso racional sobre a loucura, aceito como verdadeiro, enquanto os “não especialistas” são vistos como incompetentes para falar sobre a loucura.
Isso fez com que o controle sobre os ditos “loucos” se tornasse mais penetrante, parecendo sua atuação correta e legítima, com ares de “científica” e “neutra”, ocultando seus intuitos morais e políticos de normalizar os desviantes.
A psiquiatria e a psicologia se tornaram cúmplices da moral e economia dominante, representantes da ciência moderna. Suas práticas carregam o intuito de observar, descrever e controlar os seres humanos, diferenciando o certo do errado, o verdadeiro do falso, o normal do patológico.
"Se se quer falar de violência em psiquiatria, (...) é a sutil, tortuosa, violência perpetrada pelos outros, pelos 'sadios', contra os rotulados de loucos. Na medida que a psiquiatria representa os interesses ou pretensos interesses dos sadios, podemos descobrir que, de fato, a violência em psiquiatria é predominantemente a violência da psiquiatria."
(David Cooper, em 'Psiquiatria e Antipsiquiatria')
A medicalização da loucura tem um fundamento moral, a psiquiatria passa a se ocupar não apenas com os "doentes mentais", mas com a “prevenção dos desvios”, detectando divergências antes mesmo que apareçam, acompanhando os indivíduos desde seu nascimento, para uma trajetória de vida “saudável”.
Socialização "saudável", sexualidade "saudável", ocupações e relacionamentos "saudáveis" se tornam temas da psiquiatria e da psicologia, que pretende detectar "embriões" de “desvios" e "transtornos" em todas as instâncias da vida.
"Quem são, porém, as pessoas sadias? Como se definem a si próprias? As definições de saúde mental propostas pelos especialistas usalmente correspondem à noção de conformismo a um conjunto de normas sociais mais ou menos arbitrariamente pressupostos."
(David Cooper, em 'Psiquiatria e Antipsiquiatria')
O discurso psiquiátrico sobre a loucura e os divergentes gera uma violência sutil, que não é imediatamente visível, característica das sociedades contemporâneas. Em nossa sociedade atual há um horror ao desviante, vendo a loucura enquanto uma ameaça constante. O louco é excluído justamente por insistir seu direito à singularidade.