Reflexões sobre a terapia..

Penso a terapia como um espaço para que algo aconteça, algo que ainda não tem nome, que se faz em nós, mas ainda não percebemos. Não é um momento para nos encontrar, mas para nos diferir, para dar vazão a outros seres que nos habitam, que ainda não conhecemos, mas desejamos.

Enquanto terapeuta, não busco encontrar o que uma pessoa é, mas tomar contato com o que está fazendo, se relacionando (coisas, pessoas e atividades), quais seus interesses e desinteresses momentâneos, e como está se diferindo, rompendo e experimentando outros modos de ser possíveis.

No encontro terapêutico dialogamos sobre temas diversos e distintos, não apenas sobre uma queixa. Uma das questões que acredito ser mais importante na terapia é "-Como compor uma vida considerando suas diferenças, excentricidade e esquisitices?"

Busco tomar contato e compreender os modos de vida de cada um, como se alegra e sofre, partindo de suas experiências, tal como descreve suas vivências. Entendo que para cada questão que se apresenta não há uma saída única, mas múltiplas.

A terapia acontece por meio de um diálogo, proporcionando uma reflexão existencial e uma prática filosófica sobre a própria existência num nível singular. Seu intuito é pensar como estamos existindo no mundo, como nos relacionamos, nos afetamos, e o que fazemos disso tudo.

Neste diálogo pensamos sobre nossos dilemas e interesses, implicando a existência nela mesma. Seu o intuito não é curar um trauma, mas pensar outras maneiras de existir, resistir e se revoltar na vida. Trata-se de pensar e experimentar outros modos de vida, mais interessantes, salutares e potentes.

"A vocação da análise, portanto, não é dizer o que somos, mas sim promover a escuta daquilo de que estamos em vias de diferir - ou seja, a sustentação de devires-outro."
(Suely Rolnik, em 'O mal-estar na diferença')

Trata-se de um espaço para experimentar outros pensamentos e modos de vida, compor e decompor, um espaço de experimentação, para se desidentificar. Quando falamos livremente, tomamos contato com o que estamos sendo e nos abrimos para experimentar modos de vida.

O processo terapêutico atua sobre virtualidades. Não há um tema único e específico para tratar, mas uma diversidade de afetos, questões e dilemas que coabitam a existência. Em sua prática, tomamos contato com as multiplicidades que nos habitam, implicando e transformando.

No falar livre de julgamentos e pressuposições, a pessoa se percebe, repensa sua existência, história e seus afetos, revê suas experiências, e abre caminhos para mudar o que não está bem. O terapeuta não tem o papel de dizer ou direcionar algo, mas possibilitar abrir caminhos.

A função da terapia, se é possível pensar deste modo, não seria indicar um caminho ou "tratar algo", mas possibilitar que outros caminhos sejam pensados e experienciados, potencializando novas maneiras de pensar e viver, no caminho do que é salutar e potente para cada um. 

"A análise tem a potencialidade de constituir-se como força de enfrentamento do problema que cada aglutinação de diferenças coloca, força de sustentação da emergência do novo, força subversiva. A eficácia do dispositivo analítico está em relançar o ser em sua processualidade, desfazer nódulos de figuras identificatórias calcificadas, criar condições para a invenção de possibilidades de vida produzidas a partir de um processamento das diferenças e não de seu rechaço."
(Suely Rolnik, em 'O mal-estar na diferença')
 

Referência:
ROLNIK, Suely. O mal-estar na diferença. Anuário Brasileiro de Psicanálise. Relume-Dumará, Rio de Janeiro, 1995.

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