Idiotismo em Byung-Chul Han


Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, faz fortes críticas às formas contemporâneas de poder e subjetivação. Em suas reflexões ele destaca o idiotismo como uma saída para o psicopoder. Enquanto o psicopoder envolve mecanismos sutis de controle que incidem sobre a psique e os processos de subjetivação, o idiotismo aparece como uma possibilidade de resistência ao excesso de exposição, desempenho e transparência que caracterizam a sociedade atual.

O psicopoder, segundo Han, é uma forma de poder que exerce controle sobre a psique, as emoções e os pensamentos, que não é exercido por meio de coerção externa ou repressão direta, mas pela indução ao autogerenciamento e à autovigilância constantes. Esta técnica de poder opera diretamente sobre a mente e os afetos, numa tendência constante por produtividade, felicidade performativa e transparência total.

Em nossa sociedade do desempenho, o sujeito não é mais disciplinado por forças externas, mas constantemente conduzido a explorar a si mesmo como um projeto, visando alcançar metas e se aprimorar a todo instante. A liberdade aparente, nesse contexto, acontece em forma de autoexploração exaustiva. Os indivíduos se tornam, assim, empreendedores de si mesmos, presos num ciclo interminável de otimização e autocontrole.

Para Han, o idiotismo não se trata de uma deficiência intelectual, mas um modo de existência que resiste à lógica do desempenho e da transparência, uma espécie de recuo como forma de resistência. Inspirado no "idiotes" grego, que correspondia aquele que se afastava da esfera pública para se dedicar à sua singularidade, o idiotismo se torna um gesto de recusa à exposição total e ao fluxo constante de informações.

"O idiotismo torna acessível ao pensamento um campo de imanência de acontecimentos e singularidades que escapa a qualquer subjetivação e psicologização."
(Byung-Chul Han, em 'Psicopolítica')

O idiota não se submete à lógica do mercado de atenção ou ao imperativo de ser constantemente visível e produtivo, contrariando esta lógica. Em vez disso, ele cultiva um espaço de silêncio, distanciamento e contemplação. Esse recuo não é um ato de alienação, mas uma forma de preservar a interioridade e a capacidade de reflexão por si mesmo.

Deste modo, o idiotismo aparece como um meio de resistência ao psicopoder. Numa sociedade onde a exposição e a transparência constante são valores centrais, retirar-se parcialmente do espaço público, reduzir a hipercomunicação e reivindicar a diferença do ser tornam-se atos realmente subversivos. O idiotismo resiste a pressão motivacional, recuperando o direito de sermos diferentes e pensar por nós mesmos.

"O idiotismo erige espaços abertos de silêncio, quietude e solidão nos quais é possível dizer algo que realmente merece ser dito."
(Byung-Chul Han, em 'Psicopolítica')

Enquanto o psicopoder se coloca a capturar e configurar a subjetividade para torná-la mais eficiente e previsível, o idiotismo destaca a importância de zonas de inacessibilidade e mistério. Essa atitude preserva a singularidade em meio à homogeneização promovida pela lógica do desempenho.

Além disso, o idiotismo questiona a ideia de que o valor do indivíduo está atrelado à sua visibilidade e utilidade, recusando o ciclo de produção incessante de si e afirmando um modo de ser que escapa ao controle e à normatividade imposta pelo psicopoder.

"O idiota, por sua própria natureza, é o desligado, o desconectado, o desinformado. Ele habita o fora impensável que escapa à qualquer comunicação e conexão."
(Byung-Chul Han, em 'Psicopolítica')

A tensão entre idiotismo e psicopoder revela as dinâmicas complexas da subjetivação na atualidade, como os indivíduos se tornam sujeitos em meio às forças do contexto atual. Na atualidade, as técnicas de poder geram sujeitos hiperativos, ansiosos e exaustos. Diante disso, o idiotismo propõe um caminho de desaceleração e recolhimento, exercendo um contraponto à lógica do psicopoder.

Para Han, exercer uma saúde psíquica num mundo saturado de estímulos depende da capacidade de estabelecer limites ao fluxo de informações e à exposição constante. O cultivo do silêncio, da contemplação e do vazio torna-se, assim, um gesto terapêutico e político.

"O idiota é o moderno herético. (...) Ele tem a coragem de se desviar da ortodoxia. Corajosamente, livra-se da obrigação de conformidade. O idiota como herege é urna figura de resistência à violência do consenso. Ele resgata o encanto do forasteiro."
(Byung-Chul Han, em 'Psicopolítica')

A filosofia de Byung-Chul Han apresenta uma análise crítica do poder contemporâneo, destacando como o psicopoder atua sobre a mente e os afetos. Nesse contexto, o idiotismo surge como uma forma de resistência que reivindica o silêncio e a singularidade. Numa sociedade obcecada pela transparência e pela produtividade, cultivar espaços de recolhimento e contemplação não é apenas um ato de cuidado consigo, mas uma afirmação da liberdade e da diferença.


Referências:
HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Tradução: Maurício Liesen. Belo Horizonte: Âyné, 2020.

contato

Para mais informações envie uma mensagem..