Conectar em vez de segregar

A tradição do pensamento ocidental nos habituou a organizar a vida, o pensamento e as experiências num vocabulário de dicotomias: indivíduo x sociedade, mente x corpo, sujeito x objeto, privado x público, interno x externo. Cada termo aparece como se fosse uma entidade separada da outra. Isso nos faz pensar que o “indivíduo” existe em si, independente da “sociedade”, que “a mente” é distinta do “corpo”, que o "externo" é separado do "interno", como se cada elemento existisse independente da relação com o outro.

Esta maneira de estruturar o pensamento se baseia na lógica da segregação e da negação: "ou isto, ou aquilo". É um modo entendimento de mundo numa lógica de alternativas excludentes, que reduz a multiplicidade de perspectivas e de experiências a categorias binárias e opostas: uma vida, uma identidade, uma personalidade, um caminho apenas - onde as categorias passam a ser concebidas como opostas e contraditórias - cientista ou artista; advogado ou anarquista, bravo ou calmo, psicanálise ou fenomenologia; forte ou fraco; alegre ou triste.

Tal paradigma não consiste apenas numa forma de pensar e conceber as coisas, mas prioritariamente uma maneira de estruturar as experiências, de entender e se localizar na vida, um modo de pensar que estreita horizontes, comprimindo as experiências, desconsiderando as contradições, as diferenças e as complexidades. Essa lógica de oposição e exclusão nos faz pensar ser impossível conectar contrários, experienciar tensões e pensar paradoxalmente.

Diferente disto, podemos pensar a partir das conexões e dos acoplamentos, trocando o “ou” pelo “e”. Não se trata de escolher entre uma coisa "ou" outra, mas pensar uma coisa "e" outra, experimentar composições, relações e adições. Deste modo, podemos conceber o sujeito e a sociedade em complementariedade. Posso ser engenheiro e filósofo, gostar de música e de silêncio, estar alegre e triste ao mesmo tempo, sem ter de me determinar numa única filiação.

O uso do “e” não reflete uma indecisão, incerteza ou falta de clareza, mas uma potência conectiva e criativa. É uma abertura para que diferentes elementos se conectem, coexistam, se cruzem e se transformem mutuamente. Ao invés de se limitar a ideia de uma coisa "ou" outra, trata-se de pensar uma coisa "e" outra. O acoplamento conecta e amplia, permite que a vida faça rizoma, que uma linha se conecte a outra sem hierarquia, e que novas formas de pensar e existir emerjam destes encontros.

Trata-se de abrir espaço para a complexidade do real, recusando o empobrecimento da lógica binária, acolhendo a riqueza das misturas, sobreposições e contradições férteis, entender que não é preciso escolher entre um caminho ou outro, mas conectar caminhos, onde as diferenças se somam e se multiplicam. Assim, a vida deixa de ser um campo de alternativas excludentes e se torna um espaço de conexões criativas, que agrega e expande, em vez de segregar e contrair.

A psicologia, em grande parte, tentou explicar a interação entre os polos considerados distintos. Como o "sujeito" interage com o "objeto"? Como a "mente" influencia o "corpo"? Como o "indivíduo" se insere na "sociedade"? O problema é que essa tendência de colocar tais questões mantém a ideia de que existem duas instâncias prévias e autônomas, que somente depois se encontram.

O que se propõe aqui é algo distinto - pensar a relação ao invés da contradição. A relação não é o que acontece depois das partes, já constituídas, se encontrarem, mas é o que as constitui desde o início, que aproxima, mantém, separa e transforma. É no plano relacional que as coisas se constituem, emergem e se modificam. A vida não acontece no objeto ou no sujeito isolado, mas na conexão entre ambos.

Ao invés de pensar em indivíduos de um lado e sociedade de outro, podemos olhar para os atravessamentos. Não precisamos opor "indivíduo" e "sociedade", mas pensar a partir de suas conexões - como se estabelecem, como se afetam e como se modificam. O coletivo não é a simples soma de indivíduos, mas uma multiplicidade impessoal, um plano onde os indivíduos se conectam, se fazem, se transformam e se refazem, onde singularidades se engendram umas nas outras.

O campo relacional não é um espaço de entidades fixas que interagem, mas de forças que se compõem, linhas que se cruzam e acontecimentos ocorrem mutuamente. Nesse plano, nada está dado de antemão. A vida não é uma justaposição de blocos fixos, mas um constante movimento em relação. Indivíduo e sociedade, interno e externo, privado e público não são polos opostos, mas linhas de composição num campo relacional sempre em devir.

Na relação eles engendram configurações de um processo amplo, dinâmico, complexo e em constante transformação. Pensar a partir da relação consiste em deslocar do território fechado das ideias e dos conceitos e se direcionar para as práticas vivas: observar como os elementos se conectam e se desconectam, como se repetem e se diferenciam, como mantêm e constituem modos de existir. É nesse plano da vida que as experiências, as relações e as ideias acontecem.

Pensar deste modo propõe um deslocamento do conforto das categorias estabelecidas para um terreno mais instável, e mais vivo, das práticas. Neste lugar interessa pensar: como as coisas se fazem e desfazem? Como se conectam e se distanciam? Que modos de existência emergem desses encontros? Assim, o pensamento deixa de se organizar para identificar oposições, passando a acompanhar processos, conexões, transformações, espaços provisórios e invenções.

Romper com Moralismos

Inspirado em Nietzsche, este ebook é um convite para rir do moralismo, abrir espaços de liberdade e compor a vida como obra de arte. Para libertar-se das culpas herdadas, de julgamentos que diminuem e regras que seguimos sem questionar...