O pensamento rizomático

A filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari propõe uma ruptura com os modelos tradicionais de pensamento. Em Mil Platôs (1980), eles apresentam a metáfora do rizoma como contraposição à estrutura arbórea de pensamento, propondo distintas maneiras de conceber a realidade, o conhecimento e a subjetividade.

O pensamento arbóreo é hierárquico, centralizado, busca raízes e fundamentos, diferente deste é o pensamento rizomático, múltiplo, descentralizado e aberto. Segundo Deleuze e Guattari, o pensamento ocidental se estruturou, grande parte, no formato "arbóreo", buscando um tronco, uma origem, uma raiz única de onde dela tudo deriva. Esse modelo hierárquico é o da árvore genealógica, do sistema binário, da estrutura piramidal, onde há sempre uma unidade que governa todas as ramificações.

“o livro, como imagem do mundo, é estruturado como árvore, ele tem um centro e raízes”
(Deleuze & Guattari, em Mil Platos)

O rizoma não se organiza por uma lógica de filiação, continuidade e dependência, mas por conexões e multiplicidades. Não há uma raiz única que determine todos os saberes e modos de vida, mas rizomas que crescem por todas as direções, conectando-se com elementos distintos e heterogêneos. Trata-se de uma lógica de composição e rupturas, exercendo um contraponto à centralização.

Enquanto o pensamento arbóreo supõe uma base homogênea e um ponto de partida que legitima o restante. Em contraponto, o pensamento rizomático afirma a diversidade, a multiplicidade e a imanência, estabelecendo um saber e uma vida em rede, que se expande e se reinventa sem precisar de uma origem fixa nem de um ponto de chegada. Trata-se de uma crítica às formas clássicas de racionalidade que buscam fundamentos universais, transcendentes e imutáveis.

Para o modelo do pensamento arbóreo tudo deve ter uma origem, um fundamento, um ponto central de onde todo restante deriva. Deleuze e Guattari perguntam: por que insistir em raízes, quando a vida se move em configurações rizomáticas? O rizoma cresce por baixo da terra, é invisível, disperso, sem hierarquia, sem centro. Pode ser rompido, cortado, e ainda assim prossegue seu crescimento a partir de qualquer ponto. Não conhece começos nem fins, mas apenas meios.

“Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e retoma segundo uma ou outra de suas linhas, e sempre”
(Deleuze & Guattari, em Mil Platos)

O pensamento rizomático não procura fundamentar, mas proliferar. Ele não busca responder à pergunta “-De onde veio algo?”, mas prefere colocar a questão “-Para onde isso pode ir?”, acolhendo conexões imprevistas, que habilitam conexões distintas, como filosofia com botânica, política com desejo, infância com tecnologia, psicologia com arte, etc. De modo que tudo pode se ligar a qualquer outra coisa.

Enquanto a árvore exige fidelidade a uma raiz única, o rizoma celebra a multiplicidade e a diversidade. Não há um tronco central direcionando o fluxo, mas linhas que se cruzam, se bifurcam, se encontram e se desviam. O pensamento arbóreo supõe estabilidade e permanência, o rizomático aposta na errância, na incompletude e na impermanência. O primeiro organiza, o segundo experimenta e abre outras rotas, rompendo com as narrativas únicas, como a família que define, a profissão que determina seu valor e a psicologia que enquadra sua vida em diagnósticos.

"Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo 'ser', mas o rizoma tem como tecido a conjunção 'e... e... e...'."
(Deleuze & Guattari, em 'Mil Platôs - Vol. 1')

Na pedagogia, por exemplo, enquanto o modelo arbóreo valoriza currículos lineares e conteúdos hierarquizados, o rizomático inspira práticas interdisciplinares e experimentais, que permitem conexões entre distintos saberes. Na política, o rizoma propõe formas horizontais de organização, em contraste com sistemas de poder centralizados. Na vida, pensar rizomaticamente envolve acolher a imprevisibilidade e a multiplicidade das conexões que estabelecemos e resistir às narrativas únicas sobre o que somos.

“Não somos nem arborescentes nem rizomáticos, mas as duas coisas ao mesmo tempo; não é questão de uma dicotomia, mas de uma diferença de regime”
(Deleuze & Guattari, em Mil Platos) 

O rizoma não propõe uma negação do pensamento arbóreo, mas desloca o olhar para uma mudança de perspectiva, para a proliferação, para aquilo que acontece nas margens. Assim, o rizoma não destrói o pensamento arbóreo, mas o descentraliza, abrindo espaço para outros modos de pensar e existir. Ele nos convida a experimentar um modo de pensar e viver que se expande em direções inesperadas, sem raízes únicas, com múltiplas entradas e múltiplas saídas.


Referência:
BARROS, MUNARI, ABRAMOWICZ. Educação, cultura e subjetividade: Deleuze e a Diferença. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2007.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.

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Inspirado em Nietzsche, este ebook é um convite para rir do moralismo, abrir espaços de liberdade e compor a vida como obra de arte. Para libertar-se das culpas herdadas, de julgamentos que diminuem e regras que seguimos sem questionar...