A não-diretividade na prática terapêutica encara a pessoa em atendimento como o centro do processo terapêutico, deixando que suas questões e sua fala oriente o caminho da terapia, em vez do olhar terapeuta, suas análises ou interpretações.
Nesta perspectiva, o terapeuta se dispõe para a pessoa atendida, indo no caminho do que ela diz e de como comenta sobre algo. Seu foco não se limita às questões momentâneas ou aos sintomas que possam aparecer, mas visa tomar contato com a pessoa como um todo, considerando suas experiências, afetos, contradições e potências.
"Na relação de ajuda que se estabelece com o indivíduo, a orientação não-diretiva deseja que a atenção se focalize, não sobre o problema da pessoa, mas sobre a própria pessoa. (...) A apresentação da dificuldade se torna uma oportunidade para o indivíduo revelar-se um pouco mais a si mesmo, entrando num processo de conhecer-se melhor."
(Victor Rudio, em Orientação não-diretiva)
Essa disposição terapêutica emerge do entendimento de que não há como reduzir a experiência de vida de uma pessoa a categorias diagnósticas ou interpretações clínicas, reconhecendo que cada pessoa é um complexo singular, num universo de experiências, pensamentos, sentimentos e significados.
Quando transformamos esse complexo de experiências em rótulos ou categorias, como “ansiedade”, “estresse” ou “depressão”, empobrecemos o contato com a singularidade da existência desta pessoa. A terapia não-diretiva propõe aproximar-se do que é vivido e experienciado em primeira pessoa, com suas características próprias.
A experiência como revelação de si
Quando uma pessoa comunica suas dores, dilemas e inquietações, ela não está apenas relatando um problema, mas está revelando algo sobre si. Cada dificuldade é uma expressão de um traço existencial, um modo de se relacionar consigo mesma, com os outros e com o mundo.
“A apresentação da dificuldade se torna uma oportunidade para o indivíduo revelar-se um pouco mais a si mesmo, entrando num processo de conhecer-se melhor.”(Victor Rudio, em Orientação não-diretiva)
A terapia, neste sentido, não busca eliminar as dificuldades, mas compreendê-las como caminhos de percepção de si, de suas relações e do mundo, como ferramentas de trabalho. É a partir delas que vamos pensar juntos o que podemos fazer com cada situação ou circunstância. Não há processo terapêutico anterior à estas questões.
Deste modo, a função do terapeuta é promover um espaço favorável para que a pessoa fale sobre suas experiências, seus afetos, sentimentos, pensamentos e lembranças — não para que o terapeuta ofereça respostas prontas, mas para que auxilie a ampliar seu campo de percepção.
O terapeuta não-diretivo atua como um acompanhante de jornada, ele não guia o caminho, mas caminha junto, oferecendo presença, escuta e abertura. Essa postura exige humildade — o reconhecimento de que não somos o outro, que não sabemos como foi sua história e como ele se sente, além disso, não podemos viver por ele.
"De fato, o terapeuta não-diretivo está interessado em deixar o cliente fazer a experiência, a fim de aprender por si: o cliente é quem deve fazer as suas próprias descobertas, seguir o seu próprio caminho e encontrar as soluções que lhe pareçam mais adequadas. É um processo maiêutico, em que o indivíduo, por si, busca e alcança os resultados."
(Victor Rudio, em Orientação não-diretiva)
Por isso, o terapeuta não-diretivo procura deixar o outro viver suas próprias experiências, fazendo suas descobertas, encontrando suas próprias soluções, em seu ritmo e tempo. A terapia, nesse sentido, é um campo de confiança, não de condução.
De modo geral, a perspectiva não diretiva entende que muitos dos sofrimentos emergem da falta de comunicação consigo mesmo. Quando não nos damos conta do que sentimos, reagimos de modo confuso, muitas vezes em desacordo com o que sentimos ou desejamos.
"A comunicação consigo mesmo é vista como processo, no qual o indivíduo vai representando adequadamente na consciência tudo que ele sente e percebe em si. (...) O centro de avaliação está em si e não no outro. Deste modo, se confia em seu organismo, tornando-se critério para si mesmo."
(Victor Rudio, em Orientação não-diretiva)
A terapia não-diretiva possibilita um reaprendizado de escuta interna, num processo de reconexão com o próprio sentir. Uma boa comunicação interior envolve reconhecer as experiências sentidas — alegria e tristeza, raiva e ternura, amor e medo — encontrando meios para que sejam expressas, seja por palavras, dança, poesia ou música. Quanto mais compreendemos o que sentimos, melhor nos comunicamos com os outros e com nós mesmos.
A importância de um espaço permissivo
Para que isso aconteça, é essencial que o encontro terapêutico seja um espaço permissivo e acolhedor. Um lugar onde a pessoa possa se mostrar como se está sendo — com suas dúvidas, contradições e interesses, sem precisar vestir máscaras ou manter fachadas. É nesse clima de aceitação incondicional que surge a possibilidade de autopercepção genuína.
"Aquele que dá conselhos elabora, de uma só vez ou de modo progressivo, com maior ou menor participação do aconselhando o que este deve pensar, sentir ou fazer diante de acontecimentos, coisas e pessoas."
(Victor Rudio, em Orientação não-diretiva)
Quando o terapeuta não julga, não interpreta e não impõe caminhos, a pessoa passa a perceber-se avaliar-se a partir de si mesma, e não dos olhares externos. Essa autopercepção favorece o desenvolvimento da autoconfiança e da maturidade psíquica, para um viver mais liberto e potente.
Não-diretividade como ética da liberdade
Diferente de uma técnica, a terapia não-diretiva é uma postura ética diante do outro. Trata-se de um exercício de não capturar a experiência alheia em esquemas pré-fabricados, permitindo que as vivências e os afetos se revelem no encontro, confiando na capacidade de cada pessoa em se perceber e traçar caminhos para si mesma.
"Eu nunca serei o outro e jamais estarei no seu lugar. Assim, o que serve para mim não serve para ele. (...) O desejo de ajudar o outro, não devemos tirar-lhe a possibilidade de optar, nem manipular suas opções, nem elaborá-las no lugar dele."
(Victor Rudio, em Orientação não-diretiva)
Trata-se de uma prática de libertação e escuta atenta, onde o terapeuta oferece condições para que a pessoa atendida experimente seus próprios caminhos, ao invés de guiar seu procedimento. Em tempos de diagnósticos rápidos e soluções automáticas, essa perspectiva se torna subversiva: um convite à lentidão, à presença e à confiança no processo vivo da experiência.
Enfim, a terapia não-diretiva é uma prática de liberdade — liberdade de ser, de sentir, de errar, de se perceber e de se reinventar. O terapeuta, nesse contexto, não é um especialista que corrige, mas um testemunha sensível da caminhada alheia.