Os psicólogos e psiquiatras estudam teorias sobre o ser humano, sobre os comportamentos, os transtornos mentais e suas intervenções. Os cursos de formação em psicologia e psiquiatria ensinam as teorias como ferramentas para a atuação prática, porém a grande maioria destes profissionais não questionam as teorias, muito menos sobre as influências, os fundamentos e as implicações de cada teoria.
De modo geral, as teorias são entendidas como "verdades" sobre as pessoas, sobre seus comportamentos, o sofrimento emocional e o tratamento. Cada teoria propõe um entendimento específico sobre o ser humano e seu funcionamento, sobre o que é saudável e o que é patológico, sobre as perturbações mentais e emocionais, a respeito de como é elaborado o diagnóstico e de como será realizado o tratamento.
"(...) a psicologia se tornou, na cultura ocidental, a verdade do homem."
(Michel Foucault, em 'História da Loucura')
Conceitualmente, as teorias são conhecimentos obtidos por meio de estudos, análises, hipóteses, experimentações ou observações. As teorias oferecem uma explicação sobre as regularidades entre os fenômenos, buscando explicar os fenômenos a partir de um entendimento mais amplo do que o senso comum. Uma teoria é elaborada após a percepção de um evento, o levantamento de hipóteses e a testagem das hipóteses.
As teorias resultam de uma série de estudos e comprovações sobre um assunto específico, sendo elaboradas após perceber suas constâncias e evidências científicas. Porém, as teorias não são verdades absolutas, mas perspectivas, entendimentos elaborados segundo um método científico, apesar disso elas falham. Muitas teorias que por um tempo foram percebidas como corretas, tempos depois foram refutadas.
"A ciência é essencialmente discurso, um conjunto de proposições articuladas sistematicamente. Mas, além disso, é um tipo específico de discurso: um discurso que tem pretensão de verdade. (...) A ciência não reproduz uma verdade; cada ciência produz sua verdade. Não existem critérios universais ou exteriores para julgar a verdade de uma ciência."
(Roberto Machado, em 'Foucault, a ciência e o saber')
A realidade é que nas ciências humanas, as teorias não surgem somente a partir de observações neutras e desvinculadas da realidade em que se está inserido. Pelo contrário, as teorias são elaboradas, num contexto específico, se relacionando com as referências culturais, interesses ideológicos e políticos. Não há um olhar neutro em ciências humanas, pois suas teorias partem sempre de pressupostos específicos.
O grande problema é que as teorias científicas em psicologia e psiquiatria não são percebidas como um entendimento possível sobre os fenômenos psicológicos, mas são entendidas como verdades inquestionáveis. Além disso, não se questiona seu vínculo com a cultura e a economia de uma época. Por isso, grande parte dos psicólogos e psiquiatras apenas seguem as teorias, sem questionar seus fundamentos e embasamentos, sem problematizar ou questionar suas verdades.
"É interessante notar que nossas construções ideais de saúde e de normalidade em geral abrigam valores morais da cultura dominante da sociedade; por serem dominantes, instalaram-se na ciência e na profissão como referência para o comportamento e as formas de ser dos sujeitos. O problema maior está em que não temos assumido essa adesão. Temos apontado esses valores e referências como naturais do homem; como universais. Desta forma, trabalhamos para manter os valores dominantes e para justificá-los como a única possibilidade de estar no mundo. O diferente passa a ser combatido; visto como crise, como desajuste ou desequilíbrio; passa a ser 'tratado', com a finalidade do retorno à condição saudável e natural do homem. A Psicologia torna-se assim uma profissão conservadora que trabalha para impedir o surgimento do novo."
(Ana Bock, em 'Psicologia Sócio-Histórica')
Ao fazer uma revisão da história da psicologia, constatamos em sua trajetória o intuito de ajustar os sujeitos a uma norma e a um modelo de sociedade específica. O início da psicologia científica é marcado pela tendência positivista, que utiliza o método das ciências naturais para o estudo do ser humano, buscando melhor explicar o funcionamento humano, para melhor manipular e controlar as pessoas.
Nas sociedades industrializadas, as noções de "normal" e "patológico" foram estabelecidas com base na capacidade produtiva de cada pessoa, ou por sua adesão a um modelo "adequado" de vida, moral e vigente. A finalidade da psicologia e da psiquiatria, em seu início, era eliminar as diferenças, as anormalidades e evitar a improdutividade, utilizando como ferramentas métodos e embasamentos "científicos".
"O importante é lembrar que aquele que estuda e aquele que faz a psicologia não podem, de modo algum, ser meros autômatos. É necessário questionar-se a todo momento, para que não se torne alienado, ele também, da realidade. (....) Infelizmente, à grande maioria dos que se dedicam à psicologia, falta, quase sempre, visão histórica da realidade."
(Teles, em 'O que é psicologia')
Por isso, acredito ser urgente colocarmos em questão os saberes psicológicos e psiquiátricos, não aceitando como verdadeiros e acabados, mas enquanto uma leitura momentânea e específica da realidade, dos comportamentos, das emoções e dos processos mentais. Deste modo, ampliamos o entendimento de que há outras perspectivas e leituras possíveis para se compreender a psiquê, o funcionamento humano, o sofrimento emocional e seu cuidado.
Referências:
BOCK, Ana; GONÇALVES, M. Graça M.; FURTADO, Odair (orgs.). Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura: na Idade Clássica. Trad.: José Teixeira Coelho Neto. 11 ed. São Paulo: Perspectiva, 2017.
MACHADO, Roberto. Foucault, a Ciência e o Saber. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
TELES, Maria Luiza. O que é Psicologia. São Paulo: Brasiliense, 1989.