Críticas à noção de sujeito na filosofia

A discussão sobre o sujeito e a ideia de "eu" ou de uma identidade pessoal, é um tema amplo na filosofia, complexo e multifacetado. Na antiguidade, filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, entendiam a existência de um "eu" associado à racionalidade e às experiências sensoriais, responsável por pensar, agir e tomar decisões.

Durante o período medieval, pensadores como Santo Agostinho, defendiam uma interioridade que só poderia ser acessada por meio da fé divina, subordinando o "eu" e a racionalidade ao divino. Na modernidade, ocorre a fundação do sujeito pensante, com René Descartes, que colocou o sujeito no centro processo de conhecimento, como um sujeito pensante, destacando a dúvida como característica da razão.

John Locke foi um dos principais filósofos representantes do empirismo, entendia que todo o conhecimento deriva das experiências sensoriais, e que a mente humana era como uma folha em branco. Segundo ele, o "eu" se constituiria gradualmente, a partir da percepção e relação que estabelecemos com os objetos do mundo e da reflexão sobre nossas experiências.

O filósofo escocês David Hume, também ligado ao empirismo, questionou a ideia de um "eu" permanente e imutável, defendendo um entendimento mais complexo e fluido sobre a identidade individual. Já Immanuel Kant, colocou em questão nossas possibilidades de conhecer, introduzindo o "sujeito transcendental" enquanto uma estrutura "a priori" da experiência, que nos permite organizar e interpretar o mundo por meio da experiência e das sensibilidades.

Na filosofia contemporânea, a noção de "eu", de sujeito, e sua crítica aparecem de maneira muito complexa, sendo abordada de maneiras distintas por diversos pensadores, como Friedrich Nietzsche, Michel Foucault e Gilles Deleuze. Cada um deles oferece uma perspectiva que desafia as concepções tradicionais de identidade e subjetividade, propondo uma reavaliação do que entendemos por "sujeito".

Anteriormente a estes pensadores, David Hume, que partia de uma perspectiva empirista e cética sobre noção de sujeito, pensava que a ideia de um "eu" contínuo e imutável não passa de uma ilusão. Para ele, a identidade pessoal não é algo fixo, mas um conjunto de impressões em constante mudança, sugerindo que não há um "eu" que persiste ao longo do tempo, mas uma série de experiências e impressões que se sucedem.

Essa crítica à noção de sujeito abre espaço para uma compreensão mais fluida de sujeito, onde o "eu" passa a ser entendido como um fenômeno temporário e dinâmico, em vez de uma entidade fixa e estática. Friedrich Nietzsche, leva essa crítica ainda mais longe, desafiando a noção de um sujeito autônomo e racional, criticando a ideia de um "eu" que seja a fonte de nossas ações e decisões, argumentando que somos uma multiplicidade de impulsos difusos sem uma unidade.

Michel Foucault fez uma crítica multifacetada, destacando como as instituições, disposições e práticas sociais configuram a subjetividade. Ele entende que o sujeito não é um ente autônomo, mas resultante de práticas discursivas e das relações de poder, sugerindo que o modo como nos entendemos a nós mesmos é configurado por uma série de fatores, incluindo a biopolítica, a medicina e a educação.

Foucault abandonou a ideia de uma "teoria do sujeito", que o entendia enquanto substância identificável, para compor uma "analítica da subjetivação", que entende o sujeito histórico e situado num local específico, que se constitui na ambiguidade entre o submetimento e a resistência. Suas perspectivas contrariam a ideia de que somos agentes livres e racionais.

Ele não buscou alcançar uma "unidade" sobre o sujeito, mas compreender seus distintos modos de se tornar sujeito, em diferentes tempos e espaços, e sobretudo como reagir às situações em que está inserido. Seu interesse não era entender o que o sujeito é, mas, o modo como o sujeito se constitui sujeito.

"Em primeiro lugar, penso efetivamente que não há um sujeito soberano, fundador, uma forma universal de sujeito que poderíamos encontrar em todos os lugares. Sou muito cético e hostil em relação a essa concepção de sujeito. Penso, pelo contrário, que o sujeito se constitui através das práticas de sujeição ou, de maneira mais autônoma, através de práticas de liberação, de liberdade."
(Michel Foucault, em 'Uma estética da existência')

Gilles Deleuze também criticou a noção de um "eu" fixo e propôs a noção de multiplicidade. Para ele, não há uma identidade, mas um conjunto de relações e processos em constante transformação. Deleuze contrariou a ideia de um sujeito que seja a fonte de suas ações, sugerindo que somos constituídos por uma rede de forças e desejos que nos atravessam. O sujeito, para ele, é um campo de forças em interação, em vez de uma entidade isolada.

Hume, Nietzsche, Foucault e Deleuze, cada um à sua maneira, desafiam a ideia de um "eu" fixo e autônomo, trazendo uma visão mais dinâmica e transitória. Essa crítica não apenas questiona as concepções tradicionais de subjetividade, mas nos convida a repensar o modo como nos entendemos a nós mesmos, a explorar a transitoriedade e a multiplicidade, ao invés da unidade e estabilidade.


Referências:
CASTRO, Edgardo. Introdução a Foucault. Trad.: Beatriz de Almeida Magalhães. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2014.
GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Nietzsche. São Paulo: Publifolha, 2000.
FOUCAULT, Michel, Uma estética da existência, 1984. Em: Ditos & Escritos Vol. V - Ética, Sexualidade, Política, 291p.

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