Panorama da filosofia contemporânea

 
Neste texto traço um breve panorama dos caminhos da filosofia contemporânea: a fenomenologia, a hermenêutica, o estruturalismo, a genealogia de Nietzsche, a arqueologia de Foucault, a cartografia de Deleuze e Guattari, e o perspectivismo. Cada caminho propõe maneiras de pensar, analisar e conceber a realidade. Suas diferenças não são meramente técnicas, mas distintas proposições para compreender o ser humano, as relações, o mundo, e as interações entre eles.
 
A fenomenologia propõe o "retorno às coisas mesmas", sendo uma filosofia da experiência. Iniciada por Edmund Husserl, procura descrever os fenômenos tal como se apresentam à consciência, suspendendo os julgamentos sobre sua existência objetiva (epoché). Para Husserl, a consciência é sempre intencional, está sempre direcionada para algo. Seu uso da fenomenologia era como uma investigação das estruturas da consciência, buscando a essência do vivido.

Com Heidegger, a fenomenologia adquire uma dimensão ontológica. Não se trata mais apenas de descrever os fenômenos da consciência, mas compreender o ser-no-mundo, a existência concreta do humano enquanto ser-aí (Dasein). A fenomenologia heideggeriana abre caminho para pensar a historicidade, a linguagem e a finitude como estruturas do existir humano. De modo geral, a fenomenologia opera uma descrição rigorosa da experiência, sem recorrer a explicações causais ou teorias preestabelecidas.

A hermenêutica é a arte da interpretação, que visa compreender e interpretar. Gadamer entendia a interpretação como um processo histórico e linguístico, compreendendo que não existe um ponto de vista neutro - pois toda interpretação parte de um horizonte prévio de conceitos, tradições e linguagem, onde o diálogo com o texto ou com o outro é sempre uma fusão de horizontes. Sua busca é para a compreensão e não uma técnica para descobrir verdades escondidas.

Para a filosofia hermenêutica, a interpretação não é um mero ato de decifração ou tradução, mas um movimento em busca por sentido, um processo que visa reconstruir, compreender e atualizar o significado de algo (seja um texto, uma ação, um gesto, uma obra ou um acontecimento). A arte de interpretar consiste em penetrar no mundo de sentido do qual o texto emerge, para analisar o sentido intencional, o contexto histórico e existencial e perceber de outro modo.

O estruturalismo é uma corrente metodológica e epistemológica que busca compreender a ordem invisível das estruturas, tendo marcado a filosofia, a linguística, a antropologia e a psicanálise no século XX. Inspirado em Saussure, o estruturalismo busca entender os fenômenos humanos por meio dos sistemas de relações que estruturam e organizam significados, como a linguagem, os mitos, as instituições.

Nesta perspectivas, os indivíduos são efeitos das estruturas e não os criadores delas, rejeitando a ideia de um "eu" ou de uma "consciência" que seria o ponto de partida do conhecimento e da experiência. Os estruturalistas entendem que o sujeito não está no centro da produção de sentido, mas as estruturas (linguísticas, sociais, culturais, simbólicas) que determinam o pensamento, a linguagem e o comportamento, muito antes que um "eu" consciente entre em cena.

O estruturalismo virou o jogo - não é mais o sujeito que constrói o mundo, mas o mundo que constitui o sujeito. Toda pessoa nasce numa rede de regras, códigos e significados que a constituem. O "eu" não é soberano, mas um efeito das estruturas. Deste modo, o estruturalismo rompeu com a tradição filosófica que buscava um fundamento último na consciência ou na experiência subjetiva, propondo uma análise das formas de organização (visíveis e invisíveis) do social para compreender o indivíduo.

A genealogia de Friedrich Nietzsche opera uma análise e uma crítica radical às origens dos valores, desmontando os alicerces morais, religiosos e metafísicos que sustentam a cultura ocidental. Em vez de buscar essências ou fundamentos universais, Nietzsche investiga os jogos de força e as lutas de interesse que constituíram os valores e entendimentos, tanto ao nível moral quanto epistemológico.

Em sua obra "Genealogia da Moral", compreende que o "bem" e o "mal" não são resultantes de uma ordem divina, de uma razão pura ou de uma determinação universal e atemporal, mas emergem de conflitos entre forças ativas e reativas, envolvendo jogos de interesses entre grupos de pessoas, sendo algo prioritariamente humano, demasiado humano. Trata-se de uma análise das forças que compõem os valores, ao invés de buscar essências, mas expondo os embates que fazem e desfazem modos de vida.

A arqueologia de Michel Foucault propõe uma "escavação dos discursos", uma análise histórica dos regimes de saber e dos sistemas discursivos. Seu objetivo não é interpretar o que está "por trás" dos discursos. Trata-se de descrever as condições de possibilidade histórica para que certos entendimentos e saberes tenham emergido num dado momento, como se transformaram e descartaram outros saberes.

Foucault entendia a verdade como uma produção, algo que é criado num certo período histórico, envolto a condições específicas. Em obras como "As Palavras e as Coisas" e "A Arqueologia do Saber", ele analisou as descontinuidades do saber, rejeitando a ideia de um progresso linear da ciência, propondo estudar as rupturas que determinam o que pode ou não ser dito em uma época. Deste modo, a arqueologia oferece uma análise das práticas discursivas, observando o modo como elas constituem os sujeitos e os objetos.

A cartografia em Deleuze e Guattari propõe um mapa da diferença e dos devires, ao invés da representação de um território fixo. Trata-se de acompanhar processos, fluxos e transformações. Ao invés de buscar modelos ou estruturas, a cartografia se atenta às rupturas e aos escapes dos modelos engessados de vida (linhas de fuga); as conexões entre pessoas, atividades e afetos (agenciamentos); e ao processo constante de transformação, de se tornar algo diferente do que esta sendo (devir).

Esse procedimento não propõe um desenho de territórios prontos, com fronteiras definidas e lugares já estabelecidos, mas um mapa vivo dos processos de transformação, em permanente construção e desconstrução de territórios, acompanhando as forças em movimento e os processos de subjetivação - o modo como os desejos, os afetos, as relações e os modos de vida vão se formando e se transformando no cotidiano.

A cartografia se atenta para as forças que nos atravessam - como são produzidos nossos sofrimentos e prazeres, o que nos amplia e potencializa, o que nos retrai e bloqueia, o que faz repetir modos de vida, o que possibilita outros modos de viver, e onde encontramos caminhos para a criação e experimentação? Com este procedimento, não se busca explicar, decifrar ou representar, mas acompanhar fluxos e experimentar caminhos distintos de vida.

O perspectivismo de Nietzsche parte de seu entendimento de que "não há fatos, apenas interpretações", entendendo que todo entendimento opera por meio de uma perspectiva. Não se trata de um relativismo banal, mas uma crítica a qualquer conhecimento ou corrente de pensamento que pretende ser absoluto. Para Nietzsche, cada perspectiva é a expressão de uma posição de vida, de uma força e um interesse, de um modo de vida.

Nietzsche não propõe um ceticismo, mas uma guerra de interpretações, onde o pensamento se torna criativo, afirmativo e múltiplo. O perspectivismo rompe com a ideia de verdade como correspondência e propõe o entendimento da verdade como um efeito de força, um modo de encarar e viver a vida, um ensaio poético e trágico do real.

De maneira resumida, a fenomenologia busca descrever a experiência vivida por meio da suspensão de juízos, a hermenêutica interpreta por meio da história e do contexto, o estruturalismo analisa as relações e suas estruturas subjacentes, a genealogia desconstrói as origens dos valores, a arqueologia escava as condições dos saberes com a análise dos discursos e rupturas, a cartografia mapeia os processos e conexões em transformação, e o perspectivismo compreende a pluralidade de interpretações afirmando a multiplicidade de perspectivas.

Cada uma dessas abordagens filosóficas oferece uma maneira de pensar a realidade, o conhecimento e a experiência. São ferramentas de leitura do mundo, mas também de reinvenção da prática. Essas perspectivas podem ser pensadas como excludentes, mas também podem ser pensadas em tensão, combinadas ou atravessadas umas pelas outras, como parte de uma filosofia crítica e criativa.

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