Terapia inspirada em Deleuze

Uma prática terapêutica inspirada em Gilles Deleuze se diferencia muito de uma clínica tradicional e das terapias centradas em identidade, cura ou normalização. Ela não buscaria interpretar sintomas para revelar verdades ocultas, nem levar o sujeito a um equilíbrio ideal, mas seria uma terapia da experimentação e criação, atenta a fluxos, conexões e potências.

Trata-se de uma terapêutica que se dispõe a uma atividade experimental e criativa, que não se orienta por diagnósticos ou categorias fixas, mas por fluxos, devires e outras possibilidades de invenção de si. Seu principal intuito não é interpretar qual o problema, mas abrir passagens para novos devires.


Pressupostos teóricos

A perspectiva filosófica de Deleuze é anti-essencialista. Para ele, não existe um “eu” fixo, ou uma interioridade a ser descoberta. O sujeito é um conjunto de agenciamentos – conexões entre forças, intensidades, corpos, afetos, experiências e territórios.

Deleuze rejeita a noção de "ser" na filosofia tradicional, pois entende a subjetividade como um constante devir, nunca acabado. Neste sentido, não somos algo, mas estamos sempre nos transfigurando. Não existe uma identidade, mas multiplicidades, devires, movimentos que se conectam e se modificam.

A vida não é entendida a partir de uma estrutura arbórea, com raízes e um tronco único, mas como um rizoma, uma rede múltipla, sem centro ou hierarquia, que estabelece conexões diversas, sempre se modificando, havendo sempre espaços de invenção e criação de outros modos de existir, rompendo com formas fixas e normativas.

O desejo não é entendido como uma falta, como se pensa a psicanálise tradicional, o desejo é produção: uma potência criadora que produz realidades. Não se trata de uma carência a ser preenchida, mas potência criadora, uma força que engendra novos modos de vida.

Em vez interpretar, sua disposição clínica acompanha os movimentos da pessoa e seus fluxos desejantes. Por meio da cartografia se desenham e se desfazem mapas de vida. Em vez de buscar um sentido oculto, se coloca a mapear os movimentos, intensidades e bloqueios.


Disposição terapêutica

O encontro terapêutico acontece de maneira horizontal, não hierárquica. Não há um “especialista” que sabe e um “paciente” que desconhece sobre si, mas um encontro que acontece conjunto, possibilitando uma co-invenção de narrativas e percursos.

Cada sessão é entendida como um laboratório de experimentação, não como uma atividade de correção ou ajuste, onde o sujeito pode experimentar e criar outros modos de existência singulares. A terapia não pretende normalizar, mas acolher a multiplicidade e as diferenciações de cada pessoa.

A terapia pretende auxiliar a tornar a vida mais interessante, intensa e inventiva, sem direcionar para algum lugar ou um modo de vida, mas experimentando e criando, afirmando as diferenças e a singularidade de cada pessoa.


Papel do terapeuta

O terapeuta se coloca como um cartógrafo e acompanhante, auxiliando a mapear afetos, forças e fluxos. Ele não interpreta “o que a pessoa realmente quis dizer”, mas acompanha seus movimentos e devires, ajudando a criar condições para novas passagens, provocando linhas de fuga.

Trata-se de um facilitador para experimentações existenciais, nunca um juiz ou conselheiro, mas um cartógrafo que mapeia fluxos, desejos, afetos e conexões, sem dirigir para um lugar específico ou uma solução. Assim, auxilia a compor novos territórios existenciais, conexões e pensamentos.


Atendimento terapêutico

Durante o atendimento, o terapeuta busca sentir o que pulsa na pessoa, o que trava e o que emerge do encontro, para uma cartografia e um mapeamento dos fluxos, observando onde há intensidades e onde há bloqueios, inclusive os territórios que estão em disputa.

No acompanhar o processo da pessoa, o terapeuta propõe deslocamentos para mobilizar outros ritmos, exercitando pequenas mudanças, movimentos, gestos e conexões, considerando os múltiplos sentidos e caminhos de cada um, de modo a provar outras narrativas sobre si, traçando novas linhas de fuga.

A terapia abre espaço para novos modos de existir, sem direcionar processos. Como não há um lugar para direcionar a pessoa, se provoca pensamentos e caminhos possíveis a experimentar. Em vez de perguntar “qual o problema?”, se pergunta “O que está acontecendo, se passando?”

O processo terapêutico, nesta perspectiva, acontece numa conversa, reflexão e diálogo, para provocar outros modos de pensar e viver. O terapeuta acompanha o ritmo da pessoa, podendo ter momentos de intensidades e outros de contemplação. No final não há uma “alta”, mas pontos de passagem, movimentos e transformações.


Escuta e intervenções

A escuta terapêutica é afirmativa, não interpretativa, buscando perceber os movimentos sutis - silêncios, pausas, hesitações, impulsos. Ela não procura uma “verdade”, mas acompanha os processos de desejo, criação e transformação.

O terapeuta permanece atento ao fluxo que circula entre palavras, gestos e afetos, não apenas no que é dito. Ele não pergunta o "certo" ou "errado", não faz um julgamento moral, mas se direciona para "o que as coisas produzem", o que "faz emergir". Trata-se de uma escuta das intensidades, mais interessada na força dos afetos do que na coerência da narrativa.

Sua análise busca cartografar territórios existenciais, identificar linhas duras (que aprisionam), linhas flexíveis (que permitem movimentos) e linhas de fuga (que criam o novo).

As intervenções envolvem experimentações, onde se propõe pequenas variações no cotidiano, nos gestos, linguagens e percepções, convidando a pessoa tentar algo diferente e vivenciar outros encontros; produção de narrativas, tentando outros modos de contar a própria história, sem fixar identidades nem interpretar, provocando outros sentidos provisórios; e as linhas de fuga, para abrir frestas a outras formas de vida, saídas não previstas, devires inesperados e outras relações.

contato

Para mais informações, envie uma mensagem..